Cheiro de futuro: quais são os passos da perfumaria na próxima década?
Inovação

Cheiro de futuro: quais são os passos da perfumaria na próxima década?

por Manuela Aquino

foto: Alex Batista

Que as mudanças sociais refletem no consumidor (e vice-versa) a gente já sabe. Porém, quando nossa vida é cortada por uma pandemia, as transformações são ainda mais rápidas e certeiras. No mercado cosmético não foi diferente, e nem na perfumaria será: mais do que um perfume agradável, buscamos por experiência. O cheiro que queremos carregar na pele tem mais conexão com a terra do que nunca, é um reflexo dos nossos desejos mais urgentes por serenidade e reconexão com a natureza depois de um período tenso.

Segundo Dênis Pagani, expert em fragrâncias e criador do 1Nariz, quando olhamos para trás percebemos que os momentos difíceis pelos quais a humanidade passa influenciam a perfumaria desde sempre. “Após a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, tivemos muitos lançamentos repletos de notas verdes e úmidas, que traziam sensação de folha amassada, de amplitude e espaço aberto”, explica. “Agora [pós-pandemia], depois de tanto medo e insegurança, sentimos ânsia por liberdade e os florais úmidos e vegetais são uma resposta para isso, pois nos botam para cima e fazem respirar”, continua. 

Para Helen Augusto, especialista em fragrâncias de São Paulo, além dos reflexos sociais, é possível observar os movimentos no mercado de perfumaria a cada década. “Depois dos frutais mais carregados com notas de ameixa e abacaxi em 2010, vieram os florais, com musk branco. A partir de 2020, começamos a ver uma virada: teremos frescor com toques de almíscar e chipre, flores delicadas e orientais com corpo aromático de herbais e lavanda. Tudo ganha leveza e a sensação de bem-estar vem junto”, afirma. 

A composição importa, mas o que ela traz de sensação mais ainda
Um levantamento conduzido pela Symrise, uma das maiores casas de fragrância do mundo, revelou frentes de transformação relacionadas ao período. Primeiro foi a adoção de novos hábitos de higiene e a procura por produtos que tragam conforto. A pesquisa global mostrou que os brasileiros são os que têm a maior preocupação com a limpeza devido a pandemia. Além disso, uma mudança sensorial também aconteceu: o cheiro passou a ser o principal atributo esperado pelo consumidor para produtos de cuidados pessoais e com a casa. 

E, com o foco na saúde mental abalada pelos tempos de isolamento, a higiene representou não só limpeza, mas um meio de se garantir certa segurança emocional. “Os consumidores são muito conectados com seus rituais e os perfumes que os transportam a eles são um aviso inconsciente, muitas vezes nostálgico de experiências de nosso repertório, que trazem algum tipo de sensação. Pode ser um cheiro que te faça sentir relaxado ou que lembre algum momento feliz da infância, por exemplo”, diz Ângela Fuchs, Gerente de Avaliação Olfativa e responsável pelas soluções olfativas para o Programa HygieSym no Brasil, da Symrise.

As mudanças de comportamento não param por aí. Uma pesquisa da Hearst Magazines junto com a MarketCast realizada nos Estados Unidos com dois mil consumidores de 16 a 64 anos mostrou que a maioria não está mais focada apenas em comprar um cheiro para chamar de seu. Em vez disso, os consumidores modernos estão interessados ​​em como a fragrância se relaciona com o panorama geral, seja por meio de tendências atuais ou movimentos culturais. O resultado apontou como chave para o mercado diversidade e sustentabilidade.

A grande indústria começa a avançar nesta questão e, embora ainda seja difícil encontrar perfumes totalmente ‘verdes’, já vemos algumas movimentações importantes de grandes marcas. A Chanel, por exemplo, se desafiou a bolar um vidro reciclável para o N° 5. Já o recém lançado My Way Intense, de Giorgio Armani, é desenvolvido com ingredientes naturais, neutralidade de carbono e frasco facilmente recarregável sem a necessidade de funil ou desperdício. “A sensação do consumidor por uma escassez de recursos durante a quarentena acelerou esta preocupação e intensificou a necessidade do consumidor de sentir que está fazendo sua parte em prol do coletivo”, diz Marília Duarte, perfumista envolvida no Programa HygieSym, da Symrise. A especialista confirma que criar fragrâncias complexas totalmente sustentáveis, sem prejudicar o produto, também é difícil. “Trazer perfis olfativos mais complexos e multifacetados para as fragrâncias, mantendo a performance e a percepção de eficiência do produto, garantindo diversidade olfativa, é o grande desafio da indústria, assim como democratizar a sustentabilidade em forma de produtos para os consumidores”, finaliza. 

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