Thierry Wasser e a (boa!) história por trás do perfume Mon Guerlain
Fragrância

Thierry Wasser e a (boa!) história por trás do perfume Mon Guerlain

por Vânia Goy

Das coisas que mais gosto no meu trabalho: encontrar pessoas apaixonadas pelo que fazem e cheias de histórias boas para contar. Thierry Wasser é uma delas. Nariz da Guerlain desde 2008, substituiu Jean-Paul Guerlain e se tornou o primeiro perfumista a não ter o sobrenome da família ocupando este cargo. Ao contrário do que essa apresentação pode inspirar, Thierry é carismático, cheio de humor e refinamento. E antes mesmo que eu pudesse perguntar sobre o Mon Guerlain, lançamento mais importante da marca este ano, já avisou:

– Aperte os cintos porque vou contar uma longa história.

Ele então perguntou se eu já tinha sentido a fragrância e eu disse que sim, rapidamente. E que não tinha dado nenhum Google no assunto porque queria ouvir tudo da boca dele, mas sabia que Angelina Jolie, lavanda e baunilha estavam envolvidas no processo.

– Pois bem. Você sabe, a Guerlain completa 190 anos em 2018. Eu adoro celebrações e há quatro anos comecei a pensar nessa data. O que aconteceu nos últimos 190 anos? Nós somos uma casa que nasceu por causa da beleza e celebrar a história da Guerlain é celebrar as mulheres. E tenho uma opinião muito forte sobre o que fazemos: se você se olha no espelho e parece bem, você se sente bem. No imaginário das pessoas somos uma companhia com uma imagem feminina, mas digo que também somos feministas. Vamos celebrar o que somos e o que criamos com essa fragrância, um manifesto para as mulheres.

– Como se cria uma fragrância?

– O meu jeito de criar fragrâncias é estar emocionalmente envolvido com as minhas matérias-primas. Juro, elas falam comigo! Tenho sensações quando sinto os seus aromas e é assim que conversamos.

Na lista de essenciais para o Mon Guerlain, ele apontou quatro peças-chave:

– A minha primeira escolha com a lavanda, que não é exatamente usual na perfumaria feminina. O seu cheiro é fresco, limpo, e sobretudo, muito autêntico. O aroma da lavanda é único, nunca é possível confundir com outra coisa. Por isso ele me inspira a verdade absoluta. Em seguida, escolhi uma florzinha que encontro no sul da Índia. Sempre viajo em busca do melhor jasmim sambac para a composição do [perfume] Samsara e comecei a observar como essa flor tem uma função social ali. Colares de jasmim são oferecidos aos deuses, em rituais de casamento, aos familiares que voltam de longas viagens e as mulheres vivem com elas nos fios de cabelo. Depois fiquei pensando em como materializar a força feminina. Escolhi usar uma madeira, material resistente e, no caso do sândalo, muito duradouro, como é preciso ser em lutas importantes. Por fim, a baunilha, presente até nos produtos masculinos da marca, mas que evoca em mim uma sensação muito próxima a da pele, confortável e que simboliza o cheiro maternal.

Fico ouvindo tudo isso com a fita na mão, sentindo o cheiro de colônia unissex da lavanda dar lugar a uma nuvem poderosa de baunilha que parece mesmo um abraço quente. Pergunto se Mon Guerlain é um perfume oriental, porque ele me algo do Samsara e do Shalimar. Seria ele uma versão contemporânea dos clássicos?

– Interessante. Sândalo, vanila, jasmim e lavanda são as quatro notas que estão no Jicky e Shalimar. Jicky é uma verdadeira lenda, controverso quando foi lançado [em 1889] porque muitos homens decidiram usá-lo. É curioso porque esses materiais estavam no meu inconsciente, falando comigo por meio de seus propósitos: verdade, habilidade social, luta e maternidade.

O frasco, em cima da mesa, parece vintage. De onde veio a ideia?

– Terminei a fragrância em setembro de 2015. No fim do mesmo ano, o meu chefe foi visitar, secretamente, a Angelina Jolie no Camboja e mostrou o perfume a ela, que amou o cheiro (ainda bem!) e gostou da ideia de trabalharmos juntos, desde que ela estivesse envolvida com os próximos passos e não fosse somente uma garota-propaganda. Mostramos a ela quatro frascos diferentes e icônicos da Guerlain, e ela apontou o de Jicky. O frasco de cristal Baccarat foi desenhado em 1908 e ganhou uma reinterpretação para a versão atual.

– E esse nome?

– Angelina contou uma história muito boa. Disse que conhecia a Guerlain porque a sua mãe, que era francesa, usava um pó facial da marca. Quando crianças, ela e o irmão adoravam brincar com as coisas dela quando estavam sozinhos e a embalagem de pó era o item mais desejado. Quando estávamos fazendo as imagens para a campanha, nosso presidente levou uma caixa com todos os pós antigos de Guerlain. Ela começou a cheirá-los e, de repente, pudemos ver em seu rosto a emoção de encontrar algo familiar. E esse é o poder dos cheiros: eles podem te fazer viajar através do tempo instantaneamente. Foi um momento intenso e esquisito. Algo íntimo. Daí saiu o Mon Guerlain.

– E qual era o pó que a mãe da Angelina usava? Que cheiro ele tinha?

– Ele já foi descontinuado, mas chamava Ladies In All Climates, com notas de violeta e íris. O mais parecido com isso que temos na nossa linha é o iluminador Météorites.

Distante da fita, fico sentindo um cheiro de floresta vindos dos punhos de Thierry enquanto ele gesticula e pergunto: que perfume você está usando?

– O Habit Rouge, da Guerlain, é claro. Quando eu tinha 13 anos — bem, você sabe o que acontece aos 13 anos: puberdade, mudanças hormonais, etc — eu tinha uma questão: eu parecia ter oito anos com a minha cara de bebê. Na época, lembro de um amigo da minha mãe que usava o Habit Rouge. Comprei um pequeno frasco com o dinheiro que juntei e, acredite, esse cheiro afetou o meu comportamento. Me sentia forte como um homem. Hoje, aos 56 ainda uso essa fragrância. Também usei outras ao longo da vida, mas ela sempre esteve lá. Gosto quando pessoas na Índia, na Austrália e em Paris dizem que lembram de mim quando sentem esse cheiro!

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