Endometriose: porque é importante saber mais e como tratar
Saúde

Endometriose: porque é importante saber mais e como tratar

por Danielle Sanches

Quadro crônico inflamatório acomete uma em cada 10 mulheres no Brasil e ainda demora anos para ser diagnosticado

Estamos cansadas de saber que viver em um mundo comandado por homens não é fácil. E isso traz impactos em diversas frentes, incluindo na saúde feminina. Um estudo feito nos Estados Unidos no início da década de 2000, por exemplo, mostrou que, apesar das mulheres sentirem mais dor que os homens, elas ainda são tratadas de forma mais agressiva pelos profissionais da saúde. Tal comportamento é um reflexo da ideia – equivocada – de que o corpo feminino “é feito” para suportar dor ou, pior, que as dores seriam “emocionais” e, por isso, passariam sozinhas ou não teriam gravidade.

Esse é um dos motivos pelos quais a endometriose, doença que acomete principalmente os órgãos do sistema reprodutor feminino, demora tanto tempo para ser detectada. “Em média, as mulheres levam entre 7 e 10 anos para receberem o diagnóstico e passam por mais de um médico para isso”, lamenta o médico Thiago Borges, cirurgião especialista no tratamento da doença do CHN (Complexo Hospitalar de Niterói) e do Hospital São Lucas Copacabana, ambos no Rio de Janeiro.

E, mesmo sendo um problema que acomete uma em cada 10 mulheres no Brasil e provoca, além de dores incapacitantes, a infertilidade em alguns casos, ela está longe de ser bem conhecida, até mesmo por especialistas. “Principalmente fora dos grandes centros, mas não só, existem muitos ginecologistas que, infelizmente, não têm tanta informação”, avalia Rodrigo Fernandes, ginecologista especialista em cirurgia minimamente invasiva com atuação em oncologia ginecológica e endometriose do Hospital e Maternidade Santa Joana, em São Paulo.

Mas o que é a endometriose?
Esse é o nome de uma doença inflamatória crônica em que as células do endométrio – o tecido que reveste o útero – se apresentam fora do órgão e dentro da cavidade abdominal. De acordo com Maurício Abrão, médico especialista em endometriose e coordenador da Ginecologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, é comum que essas lesões surjam em órgãos próximos como ovários, trompas de Falópio, intestino e bexiga, além do próprio útero.

O problema é que, como qualquer célula endometrial, elas são sensíveis às variações hormonais do ciclo menstrual – então, todo mês, vão causar dor e sangrar seja em qual lugar estiverem no corpo. “É uma condição que pode afetar até 10% das mulheres em idade reprodutiva e é uma das principais causas de infertilidade feminina”, afirma o especialista.

As causas da endometriose ainda não estão claras – existem diversas teorias, mas nenhuma delas explica como essas células migram para fora do útero. Já os fatores de risco incluem, além da herança genética da família, ter nascido de forma prematura e ter tido a primeira menstruação de forma precoce, antes dos 12 anos.

Quais são os sintomas?
O primeiro sintoma é também o mais característico: dor. Mas não é uma dor qualquer, nem uma cólica incômoda que aparece apenas no primeiro dia da menstruação. “A dor é incapacitante”, alerta Fernandes. E, além de surgir no período menstrual, ela ainda aparece ao fazer xixi e cocô e também na hora do sexo. “Isso precisa ser investigado sempre. Não é normal sentir dor. Não é”, reforça Borges. Para isso, não basta fazer uma ultrassonografia comum: é preciso que ela seja feita com preparo intestinal, ou seja, limpando o conteúdo do órgão, aumentando assim a visibilidade do útero.

Outro exame que deve ser requisitado pelo médico é a ressonância de abdômen. E os especialistas reforçam: as análises devem ser feitas por especialistas em endometriose, já que nem todos os médicos têm olhos treinados para encontrar as lesões da doença. A boa notícia é que, embora a endometriose não tenha cura, ela tem tratamento – e não necessariamente ele é cirúrgico.

Mudança de vida
De acordo com o cirurgião do Rio de Janeiro, mais de metade dos casos diagnosticados de endometriose – cerca de 75% — não vão precisar de cirurgia e podem ser tratados com medicação, que pode ou não ser o anticoncepcional. Só que não existe pílula milagrosa: como é uma doença inflamatória e crônica, ela precisa também ser controlada por meio de mudanças no estilo de vida. “Praticar atividade física três vezes por semana, pelo menos, cortar alimentos inflamatórios, manejar o estresse e dormir bem são requisitos fundamentais para o controle da doença”, explica o médico. 

Outros tratamentos incluem realizar fisioterapia pélvica e ainda acompanhamento com um coloproctologista (especialista em intestino) e urologista, para checar se as lesões não irão evoluir para complicações mais graves.

Quando tudo isso falha; quando as lesões estão localizadas em pontos delicados (como intestino); ou quando há uma infertilidade causada pela inflamação das células no útero, aí a cirurgia é a opção mais indicada.  “Mas é preciso remover de fato o tecido lesionado, não é apenas cauterizar o local. É um procedimento considerado extenso”, afirma Fernandes.

E a saúde mental, como fica?
Como já era de se esperar, a endometriose é uma doença que provoca muita dor e, de quebra, também afeta a saúde mental da mulher – especialmente enquanto ela não recebe o diagnóstico e precisa lidar com o problema, muitas vezes, sozinha.

O especialista do Hospital Santa Joana diz ainda que, o julgamento existe, especialmente em relações heterossexuais. “Infelizmente, não existem muitos parceiros compreensivos quando a mulher reclama de dor e se retrai no sexo”, lamenta. E, segundo ele, a pressão agrava ainda mais quando a mulher não consegue engravidar. “Aí a cobrança que vem dos amigos, da sociedade e até da própria família, fica muito intensa”, diz.

Não é incomum, portanto, que a doença provoque o rompimento de laços afetivos importantes. Isso em um momento em que ela apresenta queda de produtividade no trabalho justamente pelos dias em que a dor vem com intensidade.

Com tudo isso, mais de 50% das pacientes de endometriose também são acometidas por doenças como ansiedade generalizada e depressão. Por isso, é essencial que a mulher busque também o cuidado psicológico e, se necessário, psiquiátrico, para lidar com todas as dores que envolvem a endometriose.

Abordagens integrativas estão em alta
Cansadas de não terem suas dores ouvidas em consultório, algumas mulheres têm buscado apoio para problemas ginecológicos em tratamentos alternativos. Nesse sentido, a ginecologia emocional tem ganhado cada vez mais espaço por oferecer uma visão mais integrada e humanizada para a saúde da mulher.

A abordagem incentiva a paciente a buscar ferramentas para conhecer o próprio corpo e as próprias emoções –e, dessa forma, ter condições para direcionar o curso da sua jornada de tratamentos e busca pela cura de forma consciente. “Já é de conhecimento dos médicos que os fatores emocionais influenciam na nossa saúde. O nosso corpo fala”, afirma Kareemi, jornalista, pesquisadora, educadora menstrual e autora do livro “Viva com Leveza” (Editora Gente).

A escritora oferece cursos na área da ginecologia emocional e trabalha com as mulheres a necessidade de se conhecer para entender melhor os gatilhos para doenças femininas, como a endometriose. Um dos passos principais desse processo, diz ela, é conhecer o próprio corpo. “Muitas vezes, elas saem do consultório sem saber o que tem e com vergonha de perguntar”, conta. “A comunicação está truncada. E isso só vai mudar quando a nossa postura mudar e passarmos a requerer do médico o tratamento adequado”, acredita.

Kareemi ainda trabalha fundamentos da ancestralidade, ou seja, a crença de que algumas doenças são passadas pela linhagem familiar por comportamentos assumidos de forma inconsciente pelas mulheres de diferentes gerações.

Especificamente no caso da endometriose, Kareemi lembra que o acompanhamento precisa ser multidisciplinar – ou seja, é preciso que a mulher “faça a lição de casa”. “Não é apenas medicação. É preciso trabalhar as questões emocionais que são gatilhos para a doença, fazer uma mudança de alimentação e evitar alimentos inflamatórios, praticar atividade física”, diz. “Se todas pudessem olhar mais para o próprio corpo e cuidar melhor da alimentação, da saúde mental, reduzir estresse e praticar exercício, tudo isso já traria uma grande melhora para os ciclos menstruais de maneira geral”, finaliza.

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