Femtechs: as empresas que estão revolucionando a saúde feminina 
Inovação

Femtechs: as empresas que estão revolucionando a saúde feminina 

por Danielle Sanches

foto: Alex Batista

Falar de prazer e autoconhecimento feminino ainda é tabu para muitas mulheres. O assunto, em alta nos últimos anos, foi impulsionado pelo isolamento social e fez com que muitas delas buscassem novas formas de conhecer e entrar em contato com o próprio corpo. É verdade que a tendência do sexual wellness – em tradução livre, o bem-estar sexual — já estava em alta antes da pandemia, mas a crise sanitária acabou dando força para que ela florescesse ainda mais. Tanto que, atualmente, esse é um dos mercados que mais cresce no Brasil (e no mundo todo). Dados da Abeme (Associação Brasileira de Empresas do Mercado Erótico e Sensual) indicam que, em 2020, durante os meses de isolamento social, foram vendidos mais de um milhão de vibradores no país, um aumento de 50% em relação ao mesmo período no ano anterior. A entidade estima que a venda de produtos eróticos em geral chegou a R$ 2 bilhões. 

Tecnologia à favor das mulheres
Essa mistura de mercado consumidor em potencial + necessidade de informação e ter autonomia tem feito outro mercado crescer: o de saúde feminina. Negócios focados nos ciclos femininos chamaram a atenção do setor de tecnologia e inovação, com empreendedoras – no feminino mesmo — interessadas nas mulheres que desejam se conhecer melhor e  ter mais qualidade de vida. Nasceram, assim, as chamadas femtechs,  termo para start-ups que mistura as palavras “feminine” com “technology”, e cunhado, inicialmente pela sueca Ida Tin, fundadora do app Clue, focado em fertilidade e menstruação. As femtechs estão preocupadas em falar sobre a experiência das mulheres em diversas frentes: além de fertilidade e menstruação, entram aí controle de natalidade, menopausa, condições crônicas e distúrbios hormonais, saúde feminina, gravidez e pós-gravidez, amamentação e bem-estar sexual. 

Segundo Lilian Natal, sócia do Distrito, plataforma para inovação e aceleração de startups e que monitora 23 femtechs brasileiras, o potencial para esse tipo de negócio é de US$ 50 bilhões até 2025, embora ainda seja um mercado inexplorado, com apenas 4% do investimento em pesquisa e desenvolvimento focado para a saúde da mulher. “Em um momento em que se discute cada vez mais o papel da mulher na sociedade e na área de tecnologia, esse mercado certamente veio para ficar”, acredita. No Brasil, o número de startups dedicadas ao tema ainda é baixo. Isso, em parte, se deve à cultura conservadora que temos no país – basta pensar que a gente mal fala ”vagina” ou “vulva” em público. “Mas a gente percebe que pela internet, de forma anônima, há uma facilidade para discutir temas que são tabu, possibilitando uma maior adesão das mulheres a esse tipo de solução”, avalia Natal. 

Diálogo íntimo
Embora algumas femtechs tenham começado com foco no bem-estar sexual, elas acabaram se tornando muito mais que isso ao ampliar o escopo de atuação fornecendo conteúdo relevante sobre intimidade, sexualidade e prazer –tudo aquilo sobre o que as mulheres não estão acostumadas a conversar. É o caso da Lilit, que nasceu em agosto de 2020 – no meio da pandemia — comercializando um único produto: o vibrador Bullet. Mas Marília Ponte, fundadora da empresa, sabe que isso só resolve parte do problema. “Você pode usar o vibrador e ainda estar presa num relacionamento abusivo, não conhecer sua vulva, não saber onde gosta de ser tocada”, afirma. “Por isso, acreditamos que é fundamental atuar também fornecendo novas referências de repertório sexual em um lugar livre de vergonha, de tabu”, diz.

Marília lembra que a falta de prazer sexual é ainda um dos grandes problemas entre as mulheres heterossexuais, que muitas vezes nem sabem que o sexo pode – e deve! —ser prazeroso para elas. Uma pesquisa do Prosex (Programa de Estudos em Sexualidade da Universidade de São Paulo), por exemplo, mostrou que metade das brasileiras não chegam ao orgasmo quando transam e ainda consideram difícil falar sobre sexo. “O que fazemos na Lilit é justamente tirar o erótico do quarto, desse lugar proibido, e colocá-lo em um ambiente empático e acolhedor”, diz a empresária. 

Essa conversa mais próxima também é feita pela Feel, marca de cosméticos veganos e naturais para o cuidado íntimo. Criadora da empresa, Marina Ratton conta que as pesquisas para o desenvolvimento do produto mostraram que a maioria das mulheres não sente prazer no sexo e não faz nada para reverter isso. “Passar uma vida não sentindo prazer e ainda sentindo desconforto e até dor é algo horrível”, afirma. “Nosso objetivo é acompanhar essa mulher na jornada dela, dar segurança para que ela converse e fale o que gostaria de mudar e, por fim, entregamos o produto”, explica. A marca hoje foca especialmente (mas não só) em grupos específicos de mulheres, como as que vivem o puerpério e a menopausa (períodos em que naturalmente há menos lubrificação vaginal). “São jornadas que ainda não recebem atenção e, no entanto, têm mulheres que buscam um produto como o nosso”, explica. 

Saúde reprodutiva 
Se não existe clima para falar sobre sexualidade e prazer, imagina para temas que envolvem a saúde reprodutiva da mulher. Uma recente pesquisa global de Sempre Livre, marca de cuidados femininos da Johnson & Johnson, por exemplo, revelou que 54% das mulheres não sabiam absolutamente nada ou tinham poucas informações sobre menstruação no momento da menarca (como é chamada a primeira menstruação). O estudo ainda revelou que 57% das brasileiras se sentem sujas durante o período, e 46% delas escondem o absorvente no caminho para o banheiro. 

O desconhecimento também se estende para a chamada reserva ovariana –nome dado a quantidade de óvulos que uma mulher tem para conseguir gerar um bebê. Ao longo da vida fértil, o número de óvulos vai diminuindo até atingir a menopausa, quando acontece o esgotamento dessa reserva. Esse processo costuma se intensificar após os 35 anos, quando biologicamente, a fertilidade da mulher começa a cair. No entanto, algumas mulheres apresentam uma baixa reserva antes dessa idade e, sem saber disso, podem ter problemas para programar o momento de se tornar mãe (se assim desejarem). Foi o que aconteceu com a empresária Amanda Sadi, que descobriu durante um check-up a condição. “Eu tinha 30 anos, fiquei surpresa porque nunca tinha ouvido falar sobre isso e não me sentia pronta para falar sobre filhos naquele momento”, conta. 

Pensando nessa experiência, ela decidiu criar a Fertilid, que comercializa kits com testes para se fazer em casa e dar mais informações sobre a reserva ovariana da mulher. “É importante saber disso enquanto existe tempo para se planejar, para pensar em congelar óvulos, por exemplo. Queremos evitar o ‘eu não sabia’”, explica. Ela ainda reforça o discurso de que é preciso empoderar as mulheres para falar sobre a própria saúde reprodutiva. Para isso, a Fertilid oferece uma plataforma com conteúdo e informações a respeito do tema de forma acolhedora. “Acredito que devemos monitorar nossa reserva ovariana como fazemos com colesterol, por exemplo, pois uma reserva baixa também pode significar questões que envolvem quadros de saúde específicos, como menopausa precoce ou insuficiência ovariana, que interferem na qualidade de vida”, afirma. 

Além do teste, que retorna junto com uma análise personalizada sobre como o resultado pode impactar os projetos pessoais da mulher, a empresa ainda oferece uma teleconsulta com ginecologista e psicóloga, e indicam especialistas em fertilidade, caso seja necessário. “A ideia é que toda mulher possa planejar sua vida de forma consciente e dar poder de escolha para ela a qualquer momento”, diz. 

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