Quando a gente pensa sobre o futuro das fragrâncias, mais do que perfumes clássicos e luxuosos, o caminho (e o desejo do consumidor) parece seguir para direções mais naturais. Formulações feitas com ingredientes orgânicos, desenvolvidas com respeito à cadeia produtiva e com o mínimo impacto ambiental ou até mesmo totalmente “clean” ganham cada vez mais espaço e não é por acaso: além de estarmos mais focados em repensar hábitos de consumo, a pandemia intensificou nosso desejo por serenidade e reconexão com a natureza — quem não sentiu vontade de escapar para o meio do mato e sentir o cheiro de grama molhada?

É justamente essa busca dos consumidores e, consequentemente, da indústria, que move as pesquisas de grandes empresas e fornecedores. De acordo com o relatório global da expert Fortune Business Insightsum, o mercado de perfumaria mundial está projetado para chegar a US$ 56,98 bilhões em 2026. Falando em tendência, eles apontam que o crescimento previsto para o nicho de fragrâncias finas está atrelado ao desejo por perfumes naturais e sustentáveis. O mercado global de fragrâncias naturais deve registrar uma taxa de crescimento de 5,2% até 2024 e atingir a marca de 20,8 bilhões, de acordo com relatório da Market Research Future.

A Givaudan, fabricante suíça de sabores, fragrâncias e ingredientes cosméticos, já notava essa onda se formando na indústria da beleza há alguns anos. Em 2007, criou o Innovative Naturals, um programa que rastreia locais onde há cadeias de suprimentos naturais e promove parcerias de fornecimento, com foco no viés sustentável — ajudando essas comunidades produtoras e o ambiente em que os insumos são cultivados, como vetiver no Vietnã, jambu no Brasil e tonka na Venezuela. “O programa está dentro da nossa ‘nature plataform’ e tem como objetivo enriquecer pesquisa ingredientes para criar fragrância de qualidade, melhorar nossa capacidade mas pensando em toda cadeia produtora”, diz Laura Laville, Key Account Manager da Givaudan. Além disso, a empresa lançou o Blossom Lab, um laboratório móvel feito a partir de contêineres de remessa de carbono reaproveitados que permitirá à empresa manipular ingredientes in loco. Outras gigantes, como a Firmenich, empresa de fragrâncias e sabores, que lançou em 2020 o dreamwood como uma alternativa biodegradável ao sândalo; e a Coty, que anunciou sua união à LanzaTech para desenvolver etanol a partir de emissões de carbono. 

Por aqui, O Boticário se movimenta em relação ao crescimento da demanda da indústria cosmética para atender o consumidor em busca de produtos mais naturais e sustentáveis neste momento. “Em 2020, podemos dizer que foi um ano em que as pessoas buscaram uma conexão mais profunda com a natureza e o bem-estar. Isso se reflete também na perfumaria, em que os consumidores preferem cheiros mais próximos ao natural”, diz Cesar Veiga, Especialista do Núcleo de Avaliação de Fragrâncias do Grupo Boticário. O marco foi o lançamento da linha Nativa SPA Orgânico, projeto que começou a ser desenvolvido em 2018 e culminou em uma linha com fragrância totalmente natural. 

É possível fazer um perfume totalmente natural?
Para o especialista, tudo é possível dentro da perfumaria, mas depende muito da criatividade. “Sabemos que isto restringe em muito as opções de matérias-primas disponíveis para se compor uma fragrância, mas contamos com a expertise dos nossos perfumistas para buscar combinações que mantenham a agradabilidade, performance e, acima de tudo, a segurança de uma criação totalmente natural. A indústria da perfumaria tem investido em muita pesquisa para oferecer ingredientes naturais de forma segura e sustentável ao consumidor”, diz. 

Em abril deste ano, o Grupo anunciou que 100% de sua perfumaria estava sendo feita com eco álcool, o que representa economia de carbono acima de 30%. Na mesma pegada de economia de carbono está o lançamento da My Way, de Giorgio Armani, da divisão de luxo L’Oréal. É a primeira fragrância do conglomerado que vem com o compromisso de neutralidade de carbono embutido. Sua fórmula contém álcool vegetal vindo de beterraba. Já a baunilha é cultivada com exclusividade em Madagascar pela ONG Fanamby, que trabalha com inclusão social.E também é a primeira vez na indústria de fragrâncias de luxo que é lançado um sistema de recarga com refil e sem nenhum desperdício do produto.  Os números são bem bacanas: um frasco do perfume e o refil reduzem em 32% o uso de papelão e 64% menos de plástico. 

Natura também é referência no desenho de fórmulas e embalagens há anos. Desde 2007 a marca brasileira usa apenas álcool orgânico em suas fragrâncias. Quem fornece a matéria-prima é a Native, primeira usina a colher cana verde de cultivo sustentável no Brasil. O cultivo orgânico compensa a emissão de gases de efeito estufa derivados do seu negócio e economiza água graças ao manejo sustentável que aboliu a queima da palha na hora da colheita.

Além de usar 30% de vidro reciclado usado nas fragrâncias, a marca anunciou que vai usar, em um ano, cerca de 7 toneladas de plástico reciclado nas embalagens da linha de fragrâncias Kaiak Oceano para que eles não tenham o mar como destino. Os frascos das versões masculinas e femininas recém-lançadas têm até 50% de plástico reciclado na composição de suas tampas e 8% advém da costa brasileira (!).

Sintético x natural
Muitos produtores de fragrâncias buscaram alternativas sintéticas para aromas como sândalo e almíscar pensando em diminuir o impacto na natureza. A Fueguia 1833, fundada na Argentina em 2010, usava boa parte de ingredientes naturais, mas desde que mudou sua manufatura para a Itália, passou a usar sintéticos e naturais desenvolvidos com tecnologia mais sustentável, como a fermentação. “Existem sintéticos que vêm de fontes verdes, ou da biotecnologia, que são espetaculares. Usamos muito isso para substituição de notas de origem animal”, disse Julian Bedel, fundador da marca, ao Business of Fashion. 

É, sim, um grande desafio trazer as fragrâncias para o mundo dos naturais, mas o caminho está sendo rápido. “Quanto mais natural a paleta do perfumista, mais reduzida será. É preciso de inovações tecnológicas para ampliar isso. Uma fragrância natural também pode não ser sustentável. Então, trabalhamos na redução do carbono, pois é preciso uma visão além de somente ‘quais são os ingredientes’. Há sintéticos com impacto positivo”, fala Juliana Antonelli, Sales and Marketing Manager/Fine Fragrances da Givaudan. Sendo assim, para a indústria fica também o desafio de, além de conseguir produzir de maneira cada vez mais natural, em maior quantidade e com mesma qualidade, provar e comunicar a quem compra, que aquele sintético usado não necessariamente é nocivo à natureza.

Experimente
“Faz muito tempo que eu quero ter um cheiro Flavia Aranha”, disse a estilista que cria roupas, como ela mesma diz, vivas. Seu desenvolvimento envolve agricultores, artesãos, saberes ancestrais, cores e tinturas naturais . “Pensei num cheiro de algodão, pesquisei, mas não encontrei a pessoa certa para desenvolvê-lo”. Numa dessas coincidências da vida, ela conheceu a Juliana Nabuco, estudiosa de aromaterapia, da medicina das plantas nativas e saberes indígenas tradicionais. No seu @nii_atelier, ela cria fragrâncias botânicas e foi dessa parceria que Pitanga, o primeiro perfume da marca, nasceu. A sua primeira fragrância feita com ingredientes naturais é assim: tem camadas de intenção, história, paciência, reverência ao tempo e ao mundo natural. Tudo coletado, plantado, destilado artesanalmente, aqui no Brasil, em parceria com comunidades e pequenos produtores. Juliana diz que escolheu as notas pra além da perfumação, com um tanto de sagrado e espiritual na combinação. “Cada ser vivo é universo de inteligência e esse é um dos jeitos de entrar em contato com ela.” 

No vidrinho, notas frutadas de pitanga, claro, com fundo de copaíba e cacau, além de dezenas de outros segredos herbais cheirosos e curadores. Deixa a sensação de fruta colhida no pé, suculenta, com um fundo resinoso e uma madeira úmida. Tem conforto e acolhimento, tem relax de um dia de verão e, principalmente, alegria de estar perto da natureza.