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Alopecia areata: a queda de cabelo de Jada Smith
por Larissa Nara
Alopecia virou tema recorrente nas manchetes e redes sociais nos últimos dias depois do comentário de mau gosto do humorista Chris Rock no palco do Oscar 2022 sobre a aparência de Jada Smith, que está com a cabeça raspada devido a doença autoimune que causa a queda dos fios. O resto você já sabe, Will Smith, companheiro da atriz, não levou desaforo pra casa e deu um tapão no apresentador ao vivo.
Segundo Viviane Coutinho, tricologista no Rio de Janeiro, a alopecia areata é classificada como a perda dos cabelos ou pelos do corpo e pode estar relacionada com problemas inflamatórios, genéticos, disfunções nutricionais ou problemas sistêmicos. “Ela acomete cerca de 1 a 2% da população e pode afetar homens e mulheres, todas as raças e surge em qualquer idade. “Porém, em 60% das pessoas a alopecia começa antes dos 20 anos. Fatores ambientais como estresse ou presença de micro-organismo podem disparar uma resposta imunológica anômala que lesa o folículo capilar. Cerca de 10% dos pacientes podem desenvolver formas graves de alopecia crônica”, diz.
Causas e sintomas
A tricologista explica que a inflamação torna inativo os folículos pilosos, fazendo com que os fios caiam em falhas circulares e, embora a alopecia areata seja mais frequentemente observada na cabeça, também pode ocorrer na barba, sobrancelhas, nos pelos dos braços e pernas. A queda pode vir acompanhada de coceira no couro cabeludo ou uma sensação forte de queimação antes do cabelo efetivamente começar a cair. “Pode haver também alterações nas unhas: pequenas alterações no relevo da superfície da unha, com aspecto de “furinhos”, chamados depitting”.
A gente também leu menções ao quadro ser mais comum entre mulheres negras. Segundo Viviane, isso depende dos hábitos. “Em geral, procedimentos químicos agressivos, penteados repetitivos que geram muito repuxamento (como rabos de cavalos muito tensionados, uso de tranças, mega hair, entre outros) podem favorecer processos inflamatórios. Josi Helena, estetacosmetóloga, CEO da Negra Vaidosa Scalp e educadora da Escola Madre, explica que esses casos são considerados alopecia por tração. “Penteados específicos muito utilizados por mulheres negras, como tranças, por exemplo, são ainda hoje executados de forma artesanal, o que facilita a prática de técnicas prejudiciais aos cabelos e couro cabeludo”. No entanto, segundo ela, o problema em si não está no uso de penteados protetores, mas sim na falta de orientação e produtos adequados para os cuidados desses penteados, que corroboram para que mulheres negras sofram mais com a alopecia por tração. “Além disso, estudos mostraram que pessoas negras têm em menor quantidade a presença de ceramidas, lipídio que exerce importante influência na inibição de processos inflamatórios, por exemplo”.
Tratamento e cuidados
Viviane pontua que qualquer diagnóstico de disfunção capilar é necessário ser feito presencialmente com um especialista e por meio de exames físicos, tricoscopia, e às vezes biópsia. “O primeiro passo é sempre avaliar cada caso, é necessário descobrir a causa e saber se é reversível, no caso avaliar se há folículo piloso existente ou se já houve uma substituição do tecido fibrótico — se o local tiver apenas tecido cicatricial, a alopecia é irreversível. Mas onde houver folículo piloso, há possibilidades de tratamento”, diz.
. na clínica
O tratamento consiste em combater as inflamações, proliferações fúngicas e bacterianas e estimular caso ainda haja folículo. Aplicações tópicas e terapias capilares que equilibram a microbiota são algumas das principais saídas, porém, quando a alopecia está atrelada a uma doença autoimune, o tratamento é feito em conjunto com médicos de outras especialidades. “Nesse caso, podemos, por exemplo, trabalhar em conjunto com reumatologista para conseguir cuidar dos processos inflamatórios”, pontua a médica.
. em casa
Dependendo o diagnóstico realizado pelo médico, o uso de tônico e produtos específicos para a saúde do couro cabeludo podem ajudar. “Ambos irão atuar diretamente no bom funcionamento do sistema capilar para melhorar a condição da pele do couro cabeludo. Massagear o couro cabeludo na hora da aplicação também otimiza a ação dos produtos. “A massagem aumenta a circulação sanguínea, consequentemente levando substâncias necessárias para o desenvolvimento de um novo fio de cabelo ao sistema pilos sebáceo”, complementa Josi.
Além disso, Viviane diz que no dia a dia é importante evitar falta de higienização adequada, hábitos não saudáveis e até o uso de produtos home care inadequados. “A saúde capilar está diretamente relacionada a hábitos saudáveis e a uma investigação clínica”, completa. Para Josi, quando falamos sobre alopecia de tração, o principal é evitar penteados apertados ou com materiais pesados demais que geram processos inflamatórios no couro cabeludo. Outra coisa importante é manter um tempo de “descanso” entre um penteado e outro.
PARA ALÉM DA SAÚDE
O ocorrido entre Jada e Chris não só lançou luz sobre a alopecia areata, como reforçou o debate sobre racismo e pressão por adequação que mulheres negras sofrem. Em seu perfil do Instagram, Joice Berth, arquiteta urbanista, escritora e feminista negra, escreveu: “O mundo racista converteu o cabelo da negritude em instrumento de opressão estética. Desde que nascemos nosso cabelo é alvo de piada, não importa se é natural ou se está de acordo com o que a sociedade brancocêtrica definiu como bonito. É sempre alvo de piadas”. Para Josi Helena, o caso mostra como as mulheres negras vem sendo ridicularizadas pelos seus cabelos desde sempre e agora pela falta deles também. “Mulheres negras estão no extremo oposto do que a sociedade prega como ideal de feminilidade. O cabelo é um dos principais símbolos desse ideal. Segundo esse padrão, eles “devem” ser longos e brilhantes e nossos cabelos são naturalmente mais opacos e crescem para cima. Passamos a vida tentando adequá-los a esse padrão a fim de sermos vistas como mulheres que somos. Não à toa mulheres negras têm uma relação problemática com seus cabelos. A falta deles para nós tem um peso maior. É a “constatação” da nossa não feminilidade…Por isso a coragem de Jada em abrir mão completamente de ter cabelos (mesmo que uma peruca) ao assumir que desenvolveu alopecia precisa ser valorizada. Ela está enfrentando o maior pesadelo da grande maioria das mulheres, negras e não negras”, diz.