Fragrância
Mítico e revolucionário, o perfume Chanel N°5 completa 100 anos em 2021
por Vânia Goy
O Chanel N°5 não é um perfume, o frasco é quase considerado uma pessoa, tamanha personalidade e vida própria. Mítico e revolucionária, a fragrância completa seu centenário em 2021. Vou falar dele ao longo deste ano todo porque ele sintetiza e inaugura mudanças sociais, estéticas e artísticas que valem ser celebradas à altura de sua história.
Chandler Burr, crítico de perfume do New York Times, lembra que o N°5, considerado o perfume mais famoso do mundo é definido, respeitosamente, como O Monstro pelo mercado de fragrâncias, tamanho gigantismo — segundo o governo francês, um frasco é vendido a cada 30 segundos no mundo todo. Mais de um milhão de vidros são comprados anualmente.
E uma das coisas mais fantásticas dessa história é que Coco conseguiu transformar o N°5 num símbolo, aparentemente contraditório, que combina simplicidade e muita sensualidade — algo nada comum na época. Ela dizia querer exuberância sensual, considerada algo de mau-gosto, relegado às mulheres “de cabaré” aliada a um cheiro de limpeza, que trazia de uma memória infantil da pele sendo esfregada com sabão no orfanato que foi criada.
Essa busca pela tensão que tornaria o N°5 uma obra-prima e marco na perfumaria deu trabalho. Obsessiva, viajou pelo sul da França, estudou a construção de fragrâncias modernas, que explodiam como negócio na França, em busca de algo para além do modismo: dessa forma se propôs a reimaginar a categoria de florais. Até então, as fragrâncias desta família olfativa eram formuladas para que apenas uma das notas florais se destacasse. E mulheres respeitáveis escolhiam entre o cheiro de rosas, gardênia ou violetas.
Angélica ou jasmim, por exemplo, eram consideradas muito doces e sensuais para damas. Coco pegou o caminho inverso em busca de uma combinação de múltiplas flores brancas, sem protagonismo, e decidiu experimentar um campo, ainda novo, de notas conhecidas como aldeídos, que trouxeram o desejo por limpeza à fragrância. E essa possibilidade de explorar moléculas sintéticas tornava a criação de um perfume verdadeira expressão artística, como Picasso que andava desmontando as convenções da pintura. A quinta combinação, sua favorita, era abstração pura, por isso o perfume ganhou este nome: Chanel N°5.
Assim ela borrou todos os limites entre o que era considerado de bom gosto. E ainda botou tudo num frasco simples como um vidro farmacêutico ou, reza a lenda, como uma pequena garrafa de whisky — algo totalmente distante das embalagens rebuscadas de cristal da época. “Mulheres não são flores. Por que desejariam cheirar como flores?” dizia.